Desculpe-me, Sr. C

 Sr. C, 

Venho tomando espaços seus no lugar em que o senhor reinava. As pessoas vem me enaltecendo por conta da minha facilidade mercuriana.

Sempre lhe vi com uma capacidade de enxergar a falsidade intelectual. Derrubar máscaras de engenhosidade, as fachadas. Isso também era próprio daquele que se tornou nosso amigo-inimigo em comum. Nunca me dei bem com esses olhares que me desnudam.

Esse nosso traidor me revelou intimidades suas que me comprometeram sua imagem. Espero que me perdoe por ter tido acesso a estas informações privilegiadas para aqueles que partilhavam do pão em sua mesa.

O senhor ainda me vem como exemplo de invejável perseverança e honestidade intelectual. Busco agora que está morto converter essa inveja em admiração e espelhamento. Perdoe-me por o não ter feito em vida.

As múltiplas funções que acumulo me impedem de alçar vôos mais altos, na mesma medida que me protegem das quedas portentosas, asas chamuscadas pelo sol de ilusões.

Ressalvas feitas, coração revelado para você que já deve enxergar muito do que não consigo dizer, peço o apoio possível para conseguir conquistar o que quer que seja em prol de nossa doutrina e do exercício de uma medicina à altura dela. 

Sei que preciso estudar mais, ler mais, me esforçar mais. De novo, que a paternidade e o matrimônio não me venham como desculpas diante do Criador, mas Ele sabe como me pesam estas funções, ao mesmo tempo que me salvam. 

Permita-me continuar naquele centro que foi seu, e de Cristo. Aponta-me as leituras que podem de algum modo continuar sua obra intelectual. Aceita que essas obras tragam algo de mim. Mas, age de tal forma que esse algo não seja uma mancha que as deixe incompreensíveis, apenas um estilo, sem se distanciar da verdade. Sei que está do lado de outros tantos que podem arejar minha inteligência, intermedeia, pois, a favor do que posso contribuir. 

Mesmo depois de qualquer parceria entre mim e o senhor, terei a face corada ao lhe encontrar do outro lado, pelo medo de que desmascare minhas vaidades. Possam elas, pelo menos, servirem ao Cristo e não ao meu culto. 

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